Terça-feira, 5 de dezembro de 2023. Por volta das 19h40, o advogado Roberto Zampieri, especialista em direito agrário, deixa seu escritório no bairro Bosque da Saúde, em Cuiabá. Ele atravessa a rua Topázio e vai em direção ao seu Fiat Toro branco estacionado sobre a calçada oposta. Em seguida entra no carro, fecha a porta e se prepara parar dar a partida.
Neste mesmo instante um homem de roupa escura se aproxima lentamente do carro, pelo lado do passageiro, carregando na mão o que aparentava ser uma caixa. Dela ele saca uma arma e dispara dez vezes contra o advogado, que morre na hora. O homem em questão era Antônio Gomes da Silva, um pedreiro que também fazia serviço de pistolagem.
O assassinato de um advogado no meio da rua já seria algo bastante grave em qualquer circunstância. Mas o de Zampieri – um profissional com amplas conexões em Cuiabá e Brasília – revelou-se uma bomba, expondo a existência do que pode ser um grande esquema de venda de sentenças no Judiciário brasileiro.
E tudo começou a ser descoberto quando policiais civis que foram designados para investigar o caso recolheram, na cena do crime, o aparelho celular da vítima. A ideia era descobrir ali algo que pudesse auxiliar investigações, com possíveis informações sobre inimigos ou ameaças de morte. Mas o que os investigadores encontraram no aparelho foi muito além.
Celular-bomba
Montagem/MidiaNews
Os desembargadores Sebastião de Moraes e João Filho, afastados do TJMT
As informações contidas no celular desencadearam uma série de investigações, abrindo uma crise no Judiciário mato-grossense e nacional.
No âmbito estadual, as mensagens levaram ao afastamento dos desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho, além do juiz Ivan Lúcio Amarante, da Comarca de Vila Rica. Sobre todos pesam suspeitas de venda de sentenças levantadas a partir do conteúdo do celular.
Em agosto, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu afastar os dois desembargadores. Em outubro foi a vez do Conselho afastar o juiz de primeiro grau.
No âmbito nacional, as suspeitas recaíram sobre o Superior Tribunal de Justiça, a segunda mais alta Corte do Judiciário brasileiro, trazendo à tona um interlocutor de Zampieri até então obscuro: o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves.
Em outubro, uma reportagem da revista Veja revelou a relação de Zampieri com o lobista. Conforme a revista, o advogado era suspeito de captar clientes que tinham interesse em processos que tramitavam no STJ e o lobista usaria sua rede de contatos em Brasília para manipular o resultado de julgamentos.
A Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o caso e o papel de Andreson no esquema a partir dos diálogos e documentos encontrados no telefone. Segundo a reportagem, o material recuperado não deixava dúvidas de que um grupo de advogados e lobistas comprava e vendia decisões judiciais do STJ.
A Polícia Federal passou então a investigar suspeitas de corrupção nos gabinetes de quatro ministros do STJ: Isabel Gallotti, Og Fernandes, Nancy Andrighi e Paulo Moura Ribeiro. Foi revelado que Andreson é suspeito de fazer tentativas de se aproximar de magistrados do Tribunal de Justiça de Goiás para influenciar decisões de desembargadores.
Em outubro, cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul foram afastados do cargo também com base, entre outros dados, no conteúdo encontrado no celular de Zampieri.
São alvos do inquérito os desembargadores Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel, Marcos José de Brito Rodrigues e Sérgio Fernandes Martins, além do desembargador aposentado Júlio Roberto Cardoso, de um conselheiro do TCE-MS, Osmar Domingues Jeronymo, e um servidor do TJ-MS, Danillo Moya Jeronymo.
Prisão de Andreson e tornozeleira em desembargadores
Em operação deflagrada no último dia 26 de novembro, denominada Sisamnes, policiais federais cumpriram mandados de busca na casa dos dois desembargadores e no escritório do advogado Roberto Zampieri, que fica no Bairro Bosque da Saúde.
Além disso, a mesma operação cumpriu um mandado de prisão contra o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves. A ordem de prisão foi determinada pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal.
Além disso, Zanin também determinou a instalação de tornozeleira eletrônica nos desembargadores Sebastião e João Ferreira, que seguem afastados do cargo.
Segundo as investigações, Andreson compartilhava minutas antecipadas de decisões do STJ e dizia ter influência sobre assessores do tribunal, costumando se apresentar em Brasília como advogado mesmo não tendo registro da OAB. Assessores dos ministros do STJ Isabel Gallotti e Og Fernandes também foram alvos.
Victor Ostetti/MidiaNews
O executor confesso do assassinato, Antônio Gomes da Silva
A pistolagem
Na investigação sobre o assassinato de Zampieri, a Polícia já avançou bastante. Apesar de, no início, ter prendido injustamente uma empresária mineira, a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) conseguiu identificar os supostos mandantes, intermediários e executor.
Segundo as investigações, o coronel da reserva Etevaldo Luiz Caçadini de Vargas teria sido o financiador do crime. Já o empresário e instrutor de tiro Hedilerson Fialho Martins Barbosa foi apontado como intermediador e o pedreiro e pistoleiro Antônio Gomes da Silva o executor do assassinato. Este último é o único que confessou o crime.
Antônio, Hedilerson e Caçadini foram denunciados, se tornaram réus pelo crime de homicídio quadriplamente qualificado e estão presos enquanto aguardam julgamento.
As investigações policiais apuraram que Antônio Gomes foi contratado pelo valor de R$ 40 mil para executar o advogado. A arma utilizada no crime foi uma pistola calibre 9mm.
Já o fazendeiro Aníbal Manoel Laurindo foi indiciado pela Polícia Civil por ser o suposto mandante do crime. Contra ele ainda não há denúncia.
A perda de fazendas na Justiça teria levado Aníbal a mandar matar Zampieri. Roberto Zampieri era um renomado advogado do direito agrário de Mato Grosso e a investigação revelou que o homicídio teria sido encomendado em razão dessa disputa de terras em Paranatinga, após Aníbal ficar prestes a perder na Justiça a propriedade de duas fazendas avaliadas em cerca de R$ 100 milhões.
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