Reeleita para o comando da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Mato Grosso (OAB-MT), a presidente Gisela Cardoso condenou a postura de adversários ao longo do processo eleitoral. Para ela, a disputa foi pautada em “ataques pessoais e fake news”.
Foi uma campanha que tem muita coisa para se esquecer. Uma campanha que, em muitos momentos, não condiz com a importância da Ordem
Apesar das críticas, Gisela classifica a situação como “página virada” e que não existe um “racha” dentro da entidade.
“Passado o momento eleitoral, voltamos para um único grupo, o grupo da advocacia, o grupo da OAB Mato Grosso. E é assim que vamos seguir os próximos três anos, unidos em prol daquilo que a gente realmente acredita”, afirmou em entrevista exclusiva ao MidiaNews.
Ainda na entrevista, a presidente saiu em defesa da Lei Estadual nº 11.077/2020, que prevê isenção do pagamento de custas aos advogados na execução dos honorários.
Na semana passada, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Mato Grosso formou maioria para derrubar a norma. Ela disse ter visto com “muita tristeza” o posicionamento do desembargador Orlando Perri, que apontou “má-fé” de deputados na aprovação da lei.
Gisela também falou sobre seus projetos para o próximo triênio à frente da OAB-MT, que incluiu, principalmente, a defesa das prerrogativas, e segurança para os advogados.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – A eleição da OAB-MT foi marcada por ataques entre adversários. Qual análise a senhora faz desse período?
Gisela Cardoso – Foi uma eleição histórica. Ffizemos, pela primeira vez, um processo eleitoral virtual, o que permitiu uma participação de quase 93% da advocacia mato-grossense. Essa já é a primeira grande vitória, uma vez que a OAB-MT tem um histórico de abstenção alta nas eleições, porque temos muitos advogados que vivem em municípios que não são sedes de subseções. Para votar, esses advogados precisavam se deslocar por grandes distâncias. Daí a decisão de fazermos a eleição online e foi um grande sucesso. Democratizamos o processo. Permitimos que a advocacia mato-grossense votasse.
Por outro lado, foi uma campanha que tem muita coisa para se esquecer. Uma campanha que, em muitos momentos, não condiz com a importância da Ordem, não condiz com aquilo que o advogado, que a sociedade espera da Ordem. Uma campanha que muitas vezes foi levada para o pior que existe: uma campanha político-partidária com fake news, com ataques pessoais. Isso nos entristece.
É uma página a ser virada. A eleição acabou. A partir de agora voltamos a ser um único grupo, o grupo da advocacia e é assim que a gente vai tocar mais essa gestão.
MidiaNews – Considera que a classe saiu rachada dessa disputa?
Gisela Cardoso – Eu não entendo como racha. Entendo como projetos que foram colocados à disposição da advocacia. Isso é salutar. Isso é importante. Tivemos advogados que se identificaram mais com um projeto, advogados que se identificaram com outro e a maioria se identificou e votou no nosso projeto.
Passado o momento eleitoral, voltamos para um único grupo, o grupo da advocacia, o grupo da OAB Mato Grosso. E é assim que vamos seguir os próximos três anos, unidos em prol daquilo que a gente realmente acredita.
MidiaNews – Após a vitória, a senhora afirmou que uma das prioridades será os honorários. Na última semana, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Mato Grosso formou maioria para derrubar a Lei Estadual nº 11.077/2020, que prevê isenção do pagamento de custas aos advogados na execução dos honorários. O OAB cogita recorrer?
Gisela Cardoso – Essa lei foi criada por um projeto do ex-deputado Silvio Fávaro (falecido). O Ministério Público, no ano passado, entendeu por apresentar uma ação de inconstitucionalidade contra essa lei, sustentando ausência de previsibilidade orçamentária, que a nosso ver é um grande equívoco do próprio Ministério Público, que tem o nosso respeito, mas que nesse ponto equivocou-se.
Victor Ostetti/MidiaNews
“A advocacia faz parte de um sistema de Justiça e é a única que não tem garantido seus rendimentos ao final do mês”
Primeiramente, é importante destacar que a advocacia faz parte de um sistema de Justiça e é a única que não tem garantido seus rendimentos ao final do mês.
A advocacia depende dos seus honorários e, muitas vezes, depende de executar esses honorários para receber. Ela termina sendo a única dos atores do sistema de Justiça que tem que pagar custas para poder receber os seus rendimentos, para poder receber pelo trabalho.
Essa lei que está sendo questionada reconhece o direito do advogado em buscar receber os seus honorários sem ter que para isso dispensar valores com custas processuais. Ainda está em votação, a OAB se habilitou, está acompanhando e vamos buscar sempre garantir os direitos da advocacia.
Há uma proposta apresentada pelo deputado Diego Guimarães de alteração da Constituição, que pode ser em um segundo momento, na hipótese de se manter a inconstitucionalidade dessa lei, uma alternativa. E aí afastaria o questionamento em relação ao vício de iniciativa.
MidiaNews – Durante o julgamento, o desembargador Orlando Perri citou “má-fé” dos deputados na aprovação da lei. Como recebe essa crítica?
Gisela Cardoso – Vejo com muita tristeza esse tipo de manifestação do Poder Judiciário, exatamente porque, a advocacia é indispensável na administração da Justiça. A advogada é um dos atores do sistema de Justiça.
O Ministério Público, o Poder Judiciário, a Defensoria, todos têm o seu rendimento garantidos ao final do mês. O advogado precisa buscar garantir.
Então, vejo com tristeza uma manifestação do Poder Judiciário em que aponta má-fé de deputados ou da própria OAB quando, na verdade, o que se busca é garantir o direito básico do advogado em receber seus honorários.
MidiaNews – Outra prioridade é as prerrogativas. Os advogados estão tendo suas prerrogativas desrespeitadas? De que forma isso tem acontecido?
Gisela Cardoso – A luta por prerrogativas é uma luta da vida. Tenho 23 anos de exercício de advocacia e, desde que iniciei, a gente vê a Ordem e a advocacia lutando por ter suas prerrogativas garantidas. Isso é histórico. E é importante destacar que garantia de prerrogativas se reverte, na verdade, com uma garantia para o próprio jurisdicionado. Ela não é um privilégio do advogado. É uma garantia ao jurisdicionado de que vai ser representado por um profissional que tem isenção, que não está subordinado a nenhum dos Poderes, um profissional que vai poder agir de forma livre.
Mas infelizmente a gente sempre tem ali uma ou outra autoridade, um ou outro Poder que tenta violar essas prerrogativas. Então essa é uma luta histórica e com a qual nós tratamos com muita responsabilidade e com muita firmeza. Garantir prerrogativas para nós vai ser sempre prioridade na OAB.
MidiaNews – A OAB está acompanhando as investigações sobre a morte do ex-presidente Renato Nery? Poderá haver novidades em breve?
Gisela Cardoso – Desde o início. Eu fui a primeira a chegar, inclusive, no hospital quando o Dr. Renato Nery ainda estava lutando pela vida. Fui uma das primeiras a entrar em contato com o nosso secretário de Segurança Pública [Cesár Roveri]. Me reuni diversas vezes com a Secretaria de Segurança Pública, com a Polícia Judiciária Civil, com o Governo do Estado. Todas as cobranças têm sido feitas. Agora, a OAB não tem o poder de polícia, não tem um aparato de investigador, não tem condições de realizar uma investigação de um crime. A OAB tem e está fazendo as cobranças de forma muito forte e veemente para que este crime seja esclarecido.
MidiaNews – E essas autoridades têm dado alguma resposta?
Gisela Cardoso – Na última reunião, o delegado nos passou que estão muito próximos de desvendar. Eles protegem as investigações até para proteger as provas. Quero acreditar na competência da polícia que resolveu o caso do Dr. Roberto Zampieri para dar uma resposta ao assassinato do Dr. Renato Nery.
MidiaNews – Durante a campanha vimos que a senhora citou alguns projetos para segurança dos advogados. Como estão esses projetos?
Tivemos nos últimos anos, nessa última gestão, dezenas de advogados assassinados. Isso é muito preocupante
Gisela Cardoso – Nós encaminhamos para o Conselho Federal uma proposta de criação de um plano nacional de defesa do exercício da advocacia. Tivemos nos últimos anos, nessa última gestão, dezenas de advogados assassinados.
Em Mato Grosso, tivemos dois. Tivemos dois ou três advogados assassinados em Goiás, dois ou três no Rio de Janeiro, no Espírito Santo em Minas Gerais. Então, isso é muito preocupante.
Nós precisamos de uma intervenção rápida e eficiente do nosso Conselho Federal, uma manifestação nacional. Encaminhamos a proposta de criação deste plano nacional no exercício da advocacia, dentre eles três pontos que envolvem a tramitação de projetos de lei que estão no Congresso. O primeiro que tipifica o crime de homicídio praticado contra advogado, ele qualifica esse crime.
Outro que confere a possibilidade de medidas protetivas ao advogado que está sendo ameaçado no exercício da profissão. E um terceiro projeto que é aquele mais polêmico, mas que eu já manifestei reiteradas vezes meu apoio, que é o porte de armas ao advogado que cumprir os requisitos legais.
A começar do apoio para esses projetos de lei que tratam diretamente de ações efetivas na segurança do advogado, sugerimos ainda a criação da Comissão Nacional de proteção ao exercício da advocacia, a criação de um fundo a ser custeado com as anuidades que vão a partir do repasse necessário para o Conselho Federal para que o advogado que esteja necessitando de uma proteção maior, que precise desse apoio financeiro, também possa receber da ordem esse apoio.
São ações efetivas que nós sugerimos ao Conselho Federal, em âmbito nacional.
Aqui, no âmbito do Estado, na seccional Mato Grosso, nós criamos a nossa Comissão Estadual de Defesa do Exercício da Advocacia, realizando estudos, projetos, para que possa providenciar ou trazer ações efetivas para garantir a segurança do advogado.
MidiaNews – E como está o andamento desses projetos no Conselho Federal?
Gisela Cardoso – A minha solicitação foi em julho, infelizmente ainda não tive um retorno do Conselho Federal. Estou reiterando esse pedido, que acho fundamental neste momento de violência contra advogados.
MidiaNews – Há uma pauta que trata de aumento de pena para crimes contra advogados?
Gisela Cardoso – É esta que tipifica o homicídio qualificado quando praticado contra advogado no exercício da profissão.
MidiaNews – Para quanto será o aumento da pena?
Gisela Cardoso – Eu não sei. Ele torna o homicídio qualificado, o aumento da pena é uma área que não atuo e não sei te dizer agora.
MidiaNews – Tem números de advogados que estão sendo ameaçados atualmente aqui no Estado?
Gisela Cardoso – Nós recebemos, nos últimos meses, a manifestação de dois advogados que estavam se sentindo ameaçados. E as denúncias do crime de ameaça foram encaminhados para a delegacia, foram encaminhados para a Secretaria de Segurança Pública para dar a atenção necessária.
MidiaNews – Temos visto nos últimos tempos advogados envolvidos em crimes, inclusive relacionados a facções. Como a OAB tem acompanhado todas essas operações e essas prisões?
Não há que se misturar, se confundir, o exercício da advocacia com os crimes praticados pelos clientes que esse advogado represent
Gisela Cardoso – Primeiro é importante deixar claro que não há que se misturar, se confundir, o exercício da advocacia com os crimes praticados pelos clientes que esse advogado representa. Há, infelizmente, uma confusão em relação a isso. O exercício da advocacia em hipótese alguma pode ser confundido com a prática dos crimes que os clientes desses advogados eventualmente tenham cometido.
Quanto a prisões de advogados, quanto a processos que investigam a atuação de advogado em facções criminosas, isso precisa ser apurado, precisa ser esclarecido. Havendo a comprovação de que estão atuando a favor do crime na condição de autor de crime e não como advogado, esse advogado precisa responder criminalmente e também junto a Ordem de Advogados do Brasil um processo ético disciplinar que pode resultar na exclusão dos quadros.
MidiaNews – Na sua opinião, há uma precipatação das autoridades na prisão de advogados investigados?
Gisela Cardoso – O processo de investigação cabe à polícia, cabe ao Ministério Público, ao Judiciário, garantindo a todos a ampla defesa, o devido processo legal. Isso é que nós pautamos. O que não se pode é haver por parte dos Poderes, da própria sociedade, qualquer tipo de pré-julgamento em relação aos advogados que atuem na área criminal e que defendem a clientes que estão sendo acusados da prática de crimes.
MidiaNews – Essas prisões mancham a categoria?
Gisela Cardoso – Não, de forma alguma. Temos bons advogados e, infelizmente, temos maus advogados, assim como temos bons jornalistas e maus jornalistas, assim como temos bons médicos e maus médicos. Então, não se pode de forma alguma generalizar a atuação errônea, a atuação ilegal, reprovável, de um ou outro profissional com a categoria, com a advocacia.
Se há um ou outro advogado que atuou envolvido com crime, que descumpriu o código de ética e disciplina, que responda nos limites da lei, que responda nos limites do processo ético disciplinar.
Porém, de forma alguma isso pode refletir ou manchar uma categoria importante e indispensável à sociedade.
MidiaNews – E a OAB tem acompanhado isso? Já teve profissionais que foram excluídos?
Gisela Cardoso – Sim. Já. Toda notícia que chega de advogados que atuaram de forma a violar o Código de Ética Disciplina, são processados junto ao nosso Tribunal de Ética Disciplina garantindo a defesa e contraditório. Esses advogados podem e são punidos nos limites das penalidades previstas no nosso estatuto, que pode ser desde uma pena de censura até a pena máxima de exclusão.
MidiaNews – Em Mato Grosso, há 3 magistrados afastados por suspeita de venda de sentenças. Esse tipo de suspeita já era do conhecimento da OAB antes dos afastamentos?
Gisela Cardoso – Não. A OAB tomou ciência a partir das decisões e pedi acesso aos autos junto ao CNJ. Inclusive, reiterei o pedido esta semana, porque houve uma troca do corregedor-geral, pedi uma audiência com o corregedor.
Victor Ostetti/MidiaNews
“Há maus advogados, mas não se pode generalizar atuação errônea”
Entendo que a OAB tem a legitimidade para acompanhar, porque precisamos cobrar as responsabilidades dos envolvidos, sejam magistrados, sejam advogados.
MidiaNews – Então, a OAB está dentro do processo?
Gisela Cardoso – Ainda não veio o despacho do ministro autorizando o nosso ingresso. Eu solicitei e aguardo.
MidiaNews – Entre os cidadãos comuns há uma percepção de que existem cursos de Direito em excesso. A OAB tem essa preocupação?
Gisela Cardoso – A OAB tem preocupação com a qualidade dos cursos de ensino jurídico. Nós temos as nossas comissões de ensino jurídico tanto no âmbito nacional como estadual, que acompanham a qualidade desses cursos.
A OAB tem o exame da ordem, que termina sendo uma forma de selecionar ou de colocar no mercado aquele advogado, aquele profissional, aquele bacharel que está minimamente apto a exercer a advocacia.
O Brasil é o país que mais tem advogados e a gente precisa ter essa preocupação com a qualidade dos cursos. Isso é muito importante.
MidiaNews – Tem alguma preocupação com esse derrame de diploma?
Gisela Cardoso – Não, acho que a partir do momento em que se oferece um curso de qualidade, o mercado de trabalho que vai selecionar os profissionais que estão mais habilitados.
O que a OAB faz em relação a isso é proporcionar ao advogado a qualificação continuada, proporcionar ao advogado a capacitação além dos bancos da universidade. Realizamos durante a nossa gestão parcerias com as universidades públicas, com faculdades privadas, 18 cursos de pós-graduações, realizamos mais de 350 eventos jurídicos, oferecemos ao jovem advogado os cursos de iniciação.
È importante que o advogado que esteja no mercado, esteja qualificado, preparado para atender essas demandas.
MidiaNews – Um tema que volta e meia aparece no noticiário são projetos acabando com o exame da Ordem. Isso pode acontecer um dia?
Gisela Cardoso – Espero que não. E não é uma questão de reserva de mercado, porque temos mais de 1,3 milhão de advogados no Brasil, e mais de 5 milhões de bacharéis. Acho que o exame da ordem traz uma segurança mínima para a sociedade, que é ter um profissional com conhecimento mínimo para poder realmente exercer.
Não se trata de reserva de mercado ao meu ver, mas de uma garantia para o cidadão, especialmente pela responsabilidade que é o exercício da advocacia.
Veja a entrevista completa: