Crédito, ReutersLegenda da foto, Logo após a posse, está previsto que Trump assine centenas de novas medidasArticle informationAuthor, Mariana SanchesRole, Da BBC News Brasil em WashingtonHá 29 minutosSerão tantas assinaturas que o cerimonial cogitou até mesmo preparar uma mesa para Trump no próprio Capitólio, onde acontecerá a posse — embora o mais provável seja que o republicano acabe indo despachar diretamente do Salão Oval (escritório do presidente dos EUA) mesmo.Entre essas medidas, algumas já foram anunciadas ainda durante a campanha, como o perdão a ao menos parte dos condenados pela invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Parte das medidas chegou até a ser anunciada já pelo presidente eleito, embora ninguém possa garantir que serão realmente implementadas, como as tarifas de 25% sobre produtos importados do México e do Canadá.E há medidas que, negativa ou positivamente, terão impacto sobre o Brasil. Se e quando tais medidas podem ser assinadas é imprevisível até mesmo para auxiliares do próprio Trump, mas, a seguir, a BBC News Brasil lista algumas das ideias que foram ventiladas pelo entorno do presidente . Estas medidas incluem: tarifas e seus efeitos sobre o dólar e sobre a economia do Brasil, deportações de imigrantes, pressões políticas sobre o Supremo Tribunal Federal, mudanças na política ambiental global com impacto para o protagonismo brasileiro e a Amazônia e possíveis impactos para a política doméstica. A BBC News Brasil perguntou à equipe de Trump a respeito de medidas específicas em relação ao Brasil, mas não obteve resposta.Tarifas e e seu impacto no dólar no Brasil Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Trump já manifestou algumas vezes contra medidas que poderiam substituir o ‘poderoso dólar americano’ Novas taxas sobre produtos estrangeiros são um dos instrumentos mais importantes na política econômica proposta por Donald Trump. Como o próprio republicano afirmou, tarifa é “a palavra mais bonita do dicionário” para ele.Ainda não está claro em qual extensão ele de fato aplicará novas tarifas. Tampouco se sabe quanto elas vão mirar o Brasil diretamente (leia mais abaixo).Mas o que já é certo é que o simples anúncio do plano de novas taxas com a volta de Trump para a Casa Branca já vem trazendo consequências para a economia mundial, com forte efeito sobre países emergentes como o Brasil.A principal delas é a enorme volatilidade do câmbio no mundo todo. O dólar já vinha se valorizando globalmente em 2024, mas o movimento ganhou novo impulso após a vitória do republicano. Esse efeito de fortalecimento da moeda americana deve continuar agora e afetar o real? A maior parte dos analistas aposta que sim. Segundo a agência Reuters, a leitura é a de que enquanto a incerteza sobre as tarifas persistir, os investidores terão dificuldade em abandonar suas apostas otimistas no dólar.Isso acontece por conta de efeitos que se sobrepoem: se Trump fala em impulsionar a economia interna e taxar importações, os analistas leem as medidas como potencialmente inflacionárias nos EUA porque os produtos internos tenderiam a ficar mais caros. Uma maior inflação lá pressionaria os juros americanos, atraindo mais capital do mundo e reduzindo o fluxo de dólar no Brasil, fortalecendo-o frente ao real.Além disso, mercados nervosos com instabilidade trazida por Trump tendem a recorrer ao dólar como moeda de reserva, mais uma vez desvalorizando moedas emergentes, como o real, o que provoca também pressão inflacionária doméstica e pode empurrar o aumento da taxa de juros brasileiras.Todo esse movimento, na análise majoritária dos analistas, tende a resultar em uma menor taxa de crescimento da economia global.É por tudo isso que o Eurasia Group, uma das maiores consultorias de risco político do mundo, afirmou em dezembro a seus clientes que o governo Trump por si só é um dos dois fatores mais importantes para definir como será a segunda metade do governo Lula — o outro é a política de gastos públicos federais.”Um cenário global melhor do que o esperado certamente ajudaria [o Brasil]. Se Trump não cumprir suas promessas sobre comércio e imigração, e o Federal Reserve [banco central americano] tiver mais espaço para reduzir as taxas de juros, as tensões sobre a política monetária no Brasil diminuiriam”, escreveu a Eurasia.Em relação a tarifas propriamente ditas, diplomatas brasileiros acreditavam, logo que o republicano se elegeu, que o Brasil não seria alvo preferencial das novas taxas trumpistas.O motivo é que o Brasil não tem acordo de livre comércio firmado com os EUA. Além disso, a balança comercial com os americanos é deficitária para o Brasil, ou seja, os americanos vendem mais do que compram dos brasileiros — e por isso, em tese, teriam mais a perder em caso de cobrança de tarifas. Mas, o país é integrante dos Brics, originalmente composto por Brasil, Rússia, Índia e China — um bloco a quem os americanos veem cada vez mais como antagonistas no jogo geopolítico global.Em dezembro, Trump chegou a anunciar textualmente que pretende colocar barreiras tarifárias de 100% nos produtos dos países dos Brics.”Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda dos Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”, escreveu Trump em sua plataforma de mídia social, a Truth Social.”Eles podem procurar outro ‘otário’. Não há nenhuma chance dos Brics substituírem o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve dizer adeus aos Estados Unidos”, concluiu o republicano.Não existe atualmente a possibilidade de que o bloco adote uma moeda única, mas, de fato, as nações têm criado instrumentos para trocas comerciais entre si em divisa chinesa, e o Banco dos Brics tem dado empréstimos com moedas alternativas ao dólar.Mais tarde, em uma coletiva de imprensa, Trump voltou à carga em relação a Índia e Brasil. “Nós vamos tratar as pessoas de forma muito justa, mas a palavra ‘recíproco’ é importante, porque se alguém nos cobra… Se a Índia nos cobrar 100% e nós não cobrarmos nada pela mesma coisa… Eles mandam uma bicicleta para nós, nós mandamos uma bicicleta para eles, eles nos cobram 100, 200. A Índia cobra muito. O Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa”, disse o republicano.À BBC News Brasil, o presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, disse que esta “declaração gera preocupação”, mas também se mostrou cético de que uma taxa tão alta realmente se confirme.No primeiro mandato, Trump chegou a impor taxas sobre alguns produtos brasileiros, como chapas de aço e alumínio — o que prejudicou também parte da indústria americana que tinha no produto matéria-prima. Nenhuma delas, no entanto, passou de 25%.Mas nenhum outro país foi alvo tão preferencial de sua taxação do que a China, a quem Trump promete reinstaurar uma tarifa global de 10%.Em sua primeira gestão, a estratégia trouxe consequências amargas para setores da economia americana — e lucros para o Brasil.Em 2016, Brasil e EUA dividiam de forma quase equânime o mercado consumidor da soja chinês, com 46% e 40% das vendas, respectivamente. Durante a guerra comercial Trump-Xi Jinping, a fatia brasileira foi a 80%, enquanto que a americana caiu para menos de 20%. Esses patamares se mantêm até hoje. Em proteína suína, o Brasil triplicou sua venda de 2017 para 2018, no início da guerra comercial. E em milho, o Brasil tomou a liderança dos americanos como o maior fornecedor dos chineses.Deportações: 230 mil brasileiros na miraCrédito, ReutersLegenda da foto, Tom Homan, um dos criadores da política de separação de pais e filhos imigrantes indocumentados, foi nomeado como o ‘czar das fronteiras’ no segundo governo TrumpTrump se elegeu prometendo levar a cabo as maiores deportações da história recente dos EUA. O assunto foi um dos principais motes de sua campanha. Embora seus aliados tenham recentemente discordado publicamente sobre restringir ou expandir a migração legal de trabalhadores altamente qualificados, não resta dúvidas de que, ao contrário do que fez com o muro na fronteira com o México, deportações massivas são uma promessa que ele pretende e pode ter condições de cumprir.A meta seria expulsar ao menos um milhão de imigrantes indocumentados por ano. Homan agora fala em deportar famílias inteiras juntas. E, após eleito, Trump afirmou que assinaria logo que assumisse um decreto de estado de emergência que permita o uso da Guarda Nacional na captura dos indocumentados.De acordo com o Instituto Pew Research, em 2022, a população de imigrantes indocumentados nos EUA girava em torno de 11 milhões de pessoas — mas o número atual pode ser maior. Em conversas com a BBC News Brasil, fontes ligadas ao novo governo afirmaram que os brasileiros estão longe de ser alvos preferenciais de expulsão. E repetiram algo que tem sido dito publicamente também por Trump: que as expulsões chegarão primeiro para imigrantes indocumentados com histórico criminal ou com ordem de deportação final.Por meio da lei de acesso à informação dos Estados Unidos, a rede de comunicação Fox News obteve informações de que o serviço de Imigração e Fiscalização alfandegária do país (ICE, na sigla em inglês) hoje contabiliza quase 1,5 milhão de pessoas com ordens de deportação ativas. Dessas, 38.677 são brasileiros. Se, em seu primeiro ano de mandato, Trump enviar apenas esses quase 40 mil brasileiros de volta, ele terá expulsado o equivalente a quatro vezes o número de cidadãos do Brasil deportados por Biden em quatro anos de mandato.Mas, claro, há alguns países na América Latina com mais pessoas com ordem de deportação, como México, Guatemala e Honduras, acima dos 250 mil cada. Já os salvadorenhos são mais de 200 mil.Nesta sexta-feira (17/1), um grupo de 10 países da América Latina e o Caribe que inclui o Brasil divulgou comunicado no qual expressaram “grave preocupação” pela possível deportação em massa de imigrantes e a defesa de seus direitos, ainda que nem tenham citado Trump diretamente. O texto foi costurado em uma reunião convocada pelo México para debater o tema migratório.Seriam movimentações profundas na população das Américas, com potencial de causar impactos imprevisíveis para toda a região. Para se ter uma ideia, por exemplo, cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) de El Salvador e Honduras vem das remessas de dinheiro que imigrantes nos EUA enviam de volta. Sem essa fonte de recursos, os dois países entrariam em crise. No caso do Brasil, globalmente, as remessas não chegam a ser tão relevantes. “Mas pode haver um impacto econômico importante na região de Governador Valadares [município em Minas Gerais] e entorno, que historicamente envia muitos migrantes aos EUA”, afirma Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).E há ainda o fato de que parte dos imigrantes não tem exatamente para onde voltar. É o caso de ao menos parte dos haitianos e dos venezuelanos, por exemplo. Nos últimos anos, o governo americano chegou a pedir ao governo brasileiro que aceitasse receber aviões de haitianos expulsos dos EUA — o que não chegou a acontecer. Analistas acreditam que esse tipo de pressão retornará, inclusive com a possibilidade de uso de tarifas para forçar a negociação.”Claramente haverá muita pressão para encontrar países que recebam grandes levas de pessoas à medida que esta agenda avance. Mas não quero ir muito longe no mundo das previsões”, disse à BBC News Brasil Lauri Tähtinen, especialista em América Latina do Center for Strategic and International Studies. Tähtinen argumenta que a grande maioria dos migrantes indocumentados têm empregos em setores nevrálgicos da economia americana, como construção civil e serviços, e que a perda dessa mão de obra teria efeitos negativos para os Estados Unidos.Big techs, pressão sobre o STF e a esperança bolsonarista de cassação de visto de MoraesCrédito, ReutersLegenda da foto, O ministro do STF Alexandre de Moraes teve embates com o bilionário Elon Musk sobre a atuação da rede social X no Brasil; Musk é um dos mais importantes conselheiros políticos de TrumpOutra área de possível impacto do novo governo Trump no mundo todo e no Brasil é a questão da regulação das redes sociais.A volta do republicano ao poder, dessa vez em aliança explícita com os bilionários Elon Musk, dono da rede social X, e Mark Zuckerberg, CEO da Meta (que controla Facebook, Instagram e Whatsapp), deve impulsionar uma desregulamentação do setor, na contramão do que defendem tanto o governo Lula como a maioria do juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro. Nesse contexto, é possível esperar um aumento de pressão sobre o Supremo em relação às decisões tomadas inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes — e depois confirmadas em colegiado — para coibir notícias falsas em redes sociais.A tensão culminou na suspensão do X (antigo Twitter) no país por algumas semanas. Mais tarde, Musk voltou atrás e cumpriu as decisões judiciais, mas não sem criticar dura e publicamente o que vê como violação da liberdade de expressão no Brasil. Tal discurso, aliás, passou a ser reproduzido por Zuckerberg. Sem citar o Supremo, Musk criticou recentemente “decisões secretas de tribunais da América Latina”. O empresário faz uma pública aproximação em relação ao trumpismo.”Em setembro de 2024, havia uma disputa muito específica, quase pessoal, entre Elon Musk e Alexandre de Moraes. Hoje, com a debandada das big techs em direção ao governo Trump, essa pressão não vai ser mais individual, de uma figura que se sentiu prejudicada por políticas tomadas por uma autoridade do Brasil. Vai ser um movimento quase que de setor contra o Brasil, a Suprema Corte”, diz Guilherme Casarões, da FGV.Os argumentos de Musk e de expoentes do bolsonarismo ganharam tração junto à base parlamentar republicana. Em setembro passado, o então senador Marco Rubio, indicado para ser o secretário de Estado de Trump, assinou, junto a colegas, uma carta ao Departamento de Estado na qual dizia: “Estamos profundamente preocupados com o fato de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal brasileiro, estar abusando do seu poder e envolvendo-se numa campanha cada vez mais arbitrária para coagir uma empresa americana de redes sociais a sufocar a oposição política interna e a minar os direitos de liberdade de expressão do povo brasileiro”.A carta surgia em um contexto no qual políticos brasileiros, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), tentavam emplacar uma campanha para que os vistos americanos do ministro Moraes e de outros integrantes da corte fossem cassados.Essa medida não foi levada à frente pela gestão Biden, mas estaria em análise no círculo trumpista, segundo apurou a BBC News Brasil.Em uma manifestação à Suprema Corte do país acerca da rede social chinesa TikTok, ameaçada de ser banida dos EUA em um movimento iniciado pelo grupo político de Trump e do qual ele agora tenta se distanciar, os advogados do republicano utilizaram o caso do bloqueio do X no Brasil como exemplo negativo dos riscos à liberdade de expressão, mesmo em ambientes democráticos.”Existem preocupações válidas de que a lei [que prevê banimento do Tiktok nos EUA] possa estabelecer um precedente global perigoso ao exercer o poder extraordinário de encerrar toda uma plataforma de redes sociais com base, em grande parte, em preocupações sobre discurso crítico nessa plataforma”, escreveram os advogados na manifestação.”Talvez não por coincidência, logo após a aprovação da lei, outra grande democracia ocidental – o Brasil – fechou totalmente outra plataforma de mídia social, X, por mais de um mês, aparentemente com base no desejo daquele governo de suprimir o discurso político oposicionista”, segue o texto.Anteriormente, trumpistas como Marco Rubio viam o TikTok, e seu possível controle por Pequim, como uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Agora, Trump sinalizou que deve assinar uma medida para salvar a rede utilizada por 170 milhões de americanos. Na posse nesta segunda, a expectativa é que Trump esteja ladeado por Musk, Zuckerberg e Shou Zi Chew, CEO do TikTok.”É muito difícil dizer que tipos de políticas de vistos ou ordens executivas relacionadas a essas questões verão a luz do dia neste caso do Supremo. Mas é fato que a política brasileira em geral está contribuindo para a discussão, em diferentes partes do chamado mundo livre, sobre qual é o futuro de grandes plataformas tecnológicas na democracia”, diz Tähtinen, do Center for Strategic and International Studies. Diplomatas brasileiros, cientes da possibilidade de que a pressão sobre o Judiciário brasileiro se expresse por meio do banimento de vistos, dizem que este cenário poderia abrir uma crise institucional sem precedentes em 200 anos de história de relações entre Brasil e EUA, mas que é cedo para saber o que esperar do segundo governo Trump. Amazônia, meio ambiente e energias renováveisCrédito, Getty ImagesLegenda da foto, Produção de energia eólica no Texas; para especialista, produção de energia renovável pode aproximar Brasil e EUA É extremamente provável que Trump inaugure seu segundo mandato reeditando a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, que prevê que países ricos diminuam suas emissões de gases do efeito estufa e financiem os países mais pobres no esforço pra mitigar e se adaptar aos efeitos do aquecimento global.Trump é historicamente negacionista do aquecimento global e não demonstra disposição de sentar à mesa para negociar opções para conter a temperatura do planeta. Com o mote de campanha “drill, baby,drill” (algo como “perfure, baby, perfure”, em relação a poços de petróleo), não existe motivo para esperar que o presidente americano compareça ou se engaje na COP30, que acontecerá em Belém, em novembro, com o Brasil como anfitrião.Além disso, Trump deve ignorar o compromisso firmado por seu antecessor, Joe Biden, de remeter meio bilhão de dólares ao Fundo Amazônia. O democrata, que se tornou o primeiro presidente americano no cargo a visitar a floresta no fim do ano passado, só cumpriu ⅕ da própria promessa.Segundo Casarões, a Amazônia ainda não entrou no mapa mental de Trump — preocupado com regiões sensíveis para o comércio internacional, como o Canal do Panamá, ou pontos estratégicos do ponto de vista de posição e riquezas minerais, como a Groenlândia. Mas o especialista vê espaço para que Trump adote posturas pragmáticas em relação a energias renováveis e na exploração de minerais importantes para indústrias como as dos carros elétricos e de turbinas eólicas — entre o quais lítio e terras-raras, os quais o Brasil possui.Tähtinen concorda: “Os EUA passaram por uma revolução de energia renovável nos últimos anos, especialmente em alguns Estados vermelhos [republicanos], como o Texas. Então há uma série de conversas frutíferas que o governo Lula pode ter com a administração Trump, porque os dois países estão investindo tremendamente em energia eólica e solar”. Já existem acordos de cooperação na área mineral e de energias renováveis entre os dois países.Tähtinen relembra ainda que os dois mandatários concordam que seguir explorando petróleo é importante para suas economias.Já Casarões menciona que mesmo governos antagônicos sentam-se à mesa quando o assunto é produção energética. Foi exatamente o que aconteceu com Lula e o argentino Javier Milei que, em novembro, fecharam um acordo para importação de gás natural pelo Brasil dos campos de Vaca Muerta, em território argentino.Apoio à democracia e efeito na política internaO último governo Biden teve atuação importante para dissuadir escaladas autoritárias na América Latina, em países como Guatemala e Venezuela.Mas em nenhum deles a atuação da Casa Branca pode ter sido tão importante quanto no Brasil.Autoridades americanas de agências como a CIA, do Conselho de Segurança Nacional, do Departamento de Estado e das Forças Armadas se engajaram ativamente junto aos militares brasileiros e a integrantes do governo Bolsonaro para advertir que não concordariam com uma eventual aventura golpista e que não viam com bons olhos as repetidas acusações — sem provas — de Bolsonaro de que o sistema eleitoral brasileiro era fraudado.O autor de Como as democracias morrem, o cientista político da Universidade Harvard Steven Levitsky, disse à BBC News Brasil que esse tipo de atuação deve acabar sob Trump. Nenhum programa de impulsionamento de democracias na região ou de proteção contra notícias falsas criado sob Biden deverá ser mantido.”A primeira coisa é que Trump não está nem aí para a democracia e, por vezes, admira autocratas. Então, o tipo de promoção da democracia que os Estados Unidos fizeram no passado, nem sempre de forma muito consistente, nem sempre de forma muito eficaz, isso vai abrandar, se não parar”, afirma Levitsky.O pensador diz isso a partir do que o mundo testemunhou na primeira gestão Trump, entre 2017 e 2021.”O [primeiro] governo Trump não fez nada para retardar a consolidação de uma ditadura na Nicarágua ou o estabelecimento de uma autocracia sob Bukele em El Salvador, tudo isso, e também um movimento em uma direção autoritária na Guatemala”, diz o pesquisador de Harvard.”A América Central se tornou muito mais autoritária sob Trump porque o governo Trump não levantou um dedo para apoiar a democracia. O tipo de comportamento que o governo Biden teve durante a crise no Brasil, ajudando a persuadir os militares brasileiros a ficarem de fora de qualquer tipo de tentativa golpista, isso não acontecerá sob Trump”, avalia. Segundo Levitsky, não apenas a inação de Trump e dos EUA devem ter efeitos na região, mas o próprio exemplo do republicano pode encorajar líderes latino-americanos a adotarem comportamentos mais autoritários. O cientista político diz que isso já aconteceu ao longo do primeiro mandato de Trump. E cita o ex-presidente Jair Bolsonaro como exemplo. Bolsonaro chegou a ser convidado para a posse de Trump, embora sua viagem tenha sido barrada pela Justiça. Já o presidente Lula não foi convidado.Tradicionalmente, chefes de Estado estrangeiros não recebem convite pessoal para posse dos presidentes americanos, com um convite geral feito às representações diplomáticas dos países nos EUA. Trump quebrou esse protocolo tradicional ao convidar pessoalmente cinco chefes de Estado ou governo à sua posse — Xi Jinping (China), Giorgia Meloni (Itália), Javier Milei (Argentina), Nayib Bukele (El Salvador) e Viktor Orbán (Hungria).”A influência de Trump já está sendo construída na realidade política nacional. Ele apoiou o Bolsonaro na eleição de 2022, chamou o Lula de um lunático de extrema-esquerda, então a incidência do peso político de um governo norte-americano sobre a política nacional é um dado da realidade. Ela já está acontecendo e tende a se intensificar nos próximos anos”, avalia Casarões, para quem Trump não tenderá a criar muitos canais com o atual governo brasileiro.Por outro lado, o pesquisador, estudioso da direita radical internacional, não acredita que um governo Trump poderia financiar assaltos à democracia brasileira.”Eu não acho que o Trump vai bancar uma nova tentativa de golpe no Brasil para garantir em 2026 a chegada de Bolsonaro ao poder. Até porque, apenas pela via do apoio e pelas urnas, esse campo tem grandes chances de vencer as próximas eleições”, diz Casarões.
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