Líder estudantil, prefeito, governador, senador e deputado federal. Depois de seis décadas disputando eleições e ocupando cargos públicos, Carlos Bezerra se prepara para deixar a presidência estadual do MDB, em um movimento que prenuncia a aposentadoria político-partidária aos 83 anos.
Ao reflefir sobre os quase 60 anos de vida pública – 30 deles presidindo o MDB estadual que ajudou a fundar -, orgulha-se de ter sido fiel às convicções que o levaram a entrar na política. “Tenho a honra de dizer que os mesmos princípios que eu defendia quando entrei, saio defendendo até hoje”.
Em entrevista ao MidiaNews, ele falou de seus feitos e da decisão de estar ao lado da família na velhice.
“Agora minha meta é vadiar. Vou aproveitar o resto da minha vida, desfrutar um pouco. Nesses quase 60 anos, isso aí [política] foi minha vida. Então, acho que tenho o direito de me dar esse luxo de vadiar. Mas vou voltar sempre aqui e dar um palpite”, disse.
Começo de tudo
Em conversa com a reportagem Bezerra lembrou do início de sua trajetória e mostrou que a vocação para atuar na vida pública estava com ele desde cedo.
Quando ainda era um estudante, concorreu à presidência do Grêmio Estudantil, que considera a primeira eleição de que participou.
“Ganhei a primeira eleição da minha vida aqui no Liceu Cuiabano, para o Grêmio. E fui fundador da Associação Cuiabana dos Estudantes Secundaristas. Era líder estudantil”, recorda.
Aquela era uma posição que o destacava dos demais e logo ele passou a ser visto como uma das lideranças políticas que despontaria no Estado.
Foi nessa mesma época que ele foi preso, em 1969, durante a Ditadura Militar devido a sua atuação na militância estudantil. Segundo o emedebista, os militares alegavam que ele queria propagar o comunismo no Estado.
“Fui preso pela ditadura por isso, porque era líder estudantil e eles achavam que eu era comunista. Nunca fui comunista, mas fui trabalhista. Getúlio Vargas foi o meu grande líder, que me trouxe para essa posição política”, diz o político, que foi filiado ao PTB de Vargas.
Bezerra só viria a ser solto em 1972, três anos após ser detido pela ditadura. Segundo ele, foi após esse momento que decidiu entrar de vez na vida pública para ajudar a colocar fim no regime de exceção. Ali começava sua longa história no MDB.
“Quando eu saí da cadeia na ditadura, fui ajudar a fundar o MDB, a lutar contra a ditadura. E essa política eu nunca mais saí dela. Continuo com os mesmos pensamentos, com a mesma direção de quando iniciei a vida pública. O rumo é o mesmo”, garante.
Reprodução
Bezerra assumindo o Governo do Estado em 1987
Governo “diferenciado”
Durante os quatro anos em que esteve no comando do Palácio Paiaguás, Bezerra recorda que fez um mandato distinto dos seus antecessores.
Ele conta que governou olhando mais para as áreas de Saúde, Educação, Infraestrutura e, principalmente, incentivando a reforma agrária.
Ao fazer um retrospecto, o presidente do MDB afirma que naquela época esses setores não eram prioridades para os governadores.
“Para oligarquia, as coisas principais do povo não eram prioridades. Por exemplo, a reforma agrária não era prioridade para eles, a prioridade era o grande latifúndio. Trabalhador não tinha direito a nada, a terra. Só tinha direito aos sete palmos da sepultura para enterrar”.
“Em Mato Grosso o trabalhador era preso, espancado, assassinado e nós acabamos com isso. Assentamos 90 mil famílias de Mato Grosso sob minha influência. Muitos municípios, muitas cidades nasceram na reforma agrária”, orgulha-se.
“E fizemos uma política moderna no Estado, bem moderna, colocamos Mato Grosso em um patamar diferente daquelas políticas tradicionais”, completa.
Pioneiro do MDB
Bezerra foi um dos principais nomes na construção do MDB em Mato Grosso. Com sua força política junto de outras lideranças locais, a sigla nasceu como uma alternativa ao regime autoritário, sendo oposição à ditadura, então sustentada pela Arena (Aliança Renovadora Nacional).
Já com uma trajetória política relevante, Bezerra ajudou a fortalecer a presença do MDB no Estado e contribuiu para o crescimento e a viabilização do partido, que se tornou uma das principais forças políticas de Mato Grosso ao longo dos anos.
À reportagem, ele enalteceu a história do partido e afirmou que, para ele, hoje o MDB é a sigla que mais tem base popular em Mato Grosso.
Nesses quase 60 anos isso aí [política] foi minha vida. Então, acho que tenho o direito de me dar esse luxo de vadiar
“É um partido que é montado de baixo para cima, não de cima para baixo como os outros. E tem uma base de idealistas em todo Estado”, disse.
De saída da presidência, Bezerra afirma que sua decisão de deixar o comando partiu de um desejo pessoal. Porém diz que ainda continuará no partido e seguirá auxiliando os membros no que for preciso.
“Eu sou escorpião. Escorpião enxerga onde os outros ainda vão enxergar, lá na frente. Quando o cara está pensando aqui, eu já vi lá há muito tempo. Esse predicado eu tenho e isso me ajudou muito na política. E os companheiros sempre estão me procurando, conversando”, diz.
Sobre a próxima eleição do Diretório Estadual, que ocorre em agosto, Bezerra admite que ainda não tem um favorito, mas se mostra otimista com o futuro do partido após sua saída da presidência.
“Tenho certeza que os companheiros que ficarão saberão tocar. E talvez até melhor do que eu. E eles têm que tomar conta mesmo, está na hora de tomar conta”, afirma.
Reprodução
Bezerra em um dos seus mandatos como deputado federal
“Involução” da política
Nestas seis décadas Bezerra acompanhou as mudanças do jogo político – e alerta que a fase agora é de retrocesso.
“Infelizmente está involuindo. É uma onda que não é só aqui de Mato Grosso, é uma onda mundial da extrema-direita, com a política mais atrasada, mais desumana. Está crescendo em todo canto como está crescendo aqui no Brasil”, lamenta.
Ele admite que lideranças políticas falharam em sua alternativa de mudança e crescimento, o que facilitou a ascensão dos radicais.
Vítima da ditadura, ele criticou o fato de políticos defenderem o regime e lembrou, apesar de não citar o nome, do fato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ter sido eleito defendendo esse período obscuro da história brasileira.
“O candidato que ganhou a presidência recentemente, ele ganhou em partes exaltando a ditadura militar no Brasil. Defendendo os militares que mataram, que assassinaram. Foi desse modo que ele ganhou a eleição. Isso o absurdo dos absurdos”, afirmou.
“E os direitos básicos do povo, dos trabalhadores, eles vão sendo colocados de lado nesse tipo de política. Não tem nenhuma sensibilidade social”, completou.
Futuro
Ao final da entrevista, Bezerra deixou um recado para as novas gerações e defendeu a “política correta”, aquela que é feita para o povo, atendendo as demandas dos cidadãos. Esses, segundo ele, foram os princípios que o fizeram entrar na política e permanecer nela por tanto tempo.
“Acho que o caminho para ter uma governança correta é por aí. O resto é patifaria. A política é uma ciência, você não tem como inventar muita coisa, não. Ela é científica”.