A secretária municipal de Segurança, Francyanne Siqueira, afirmou que a Pasta está segurando o plano de criação da Guarda Municipal em Cuiabá após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) trazer dúvidas da necessidade da implementação.
A Guarda Municipal com as atribuições anteriores a essa decisão do STF era o nosso desejo
Em fevereiro de 2025, o STF julgou o Tema de Repercussão Geral nº 656, estabelecendo que é constitucional a atuação das Guardas Municipais no policiamento ostensivo comunitário e na realização de prisões em flagrante.
“A Guarda Municipal com as atribuições anteriores a essa decisão do STF era o nosso desejo. Foi o que de fato nós programamos, planejamos para poder implementar aqui para a Capital. Porém, com essa decisão agora, nós ficamos sem entender muitas coisas”, disse.
A implementação da Guarda Municipal em Cuiabá era uma promessa do prefeito Abilio Brunini (PL) e foi incluída, inclusive, em seu plano de governo. Em janeiro, antes da decisão do Supremo, ele havia prometido um edital ainda para este ano.
Ao MidiaNews, a secretária explicou que o principal problema da decisão, que estaria empacando o projeto a sair do papel, é que com as novas atribuições da Guarda Municipal haveria uma invasão de competências que hoje já são da Polícia Militar e Polícia Civil.
“Tem várias atribuições que foram colocadas para que a Guarda execute e que entram em conflito com a Polícia Militar, a Polícia Civil. É nesse ponto que a gente ainda não tem uma definição para poder realmente instrumentalizar a criação”, disse.
Na entrevista, Francyanne também comentou outros assuntos, como os desafios de tocar a Segurança em Cuiabá e polêmicas, como a implementação de câmera nas fardas e a sua opinião a respeito dos militares que são suspeitos de envolvimento no assassinato do advogado Renato Nery.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Uma das principais propostas do prefeito Abilio Brunini quando ainda era candidato foi a criação da Guarda Municipal. A Prefeitura já tem uma ideia de como será essa estrutura?
Francyanne Siqueira – A criação da Guarda está previsto no plano de governo do prefeito Abílio Brunini. Porém, tivemos algumas decisões nesse ano que alteraram as competências da Guarda. Tem várias discussões ainda que estão sendo estabelecidas para poder organizar essa sistemática.
A gente tem muitas dúvidas de como vai se efetivar essa criação. È ainda um tema que está sendo discutido, que a gente precisa amadurecer mais, porque posterior a essa decisão muitas coisas ficaram no ar.
Não temos uma definição de como serão as atuações, de conflitos de competência com outras instituições…. É de fato uma vontade muito grande nossa, de muitas pessoas, porém a gente precisa ter essa segurança jurídica para estabelecer a forma de implantar a Guarda.
MidiaNews – E qual conflito seria esse? Entre Pastas?
Francyanne Siqueira – Não, competências com outras instituições, porque o STF decidiu que a Guarda Municipal também pode executar policiamento ostensivo. Tem várias atribuições que foram colocadas para que a Guarda execute e que entram em conflito com a Polícia Militar, a Polícia Civil.
É nesse ponto que a gente ainda não tem uma definição para poder realmente instrumentalizar a criação. Então, tem muitas coisas ainda que a gente precisa aguardar para poder [implementar]. Apesar de que já tem alguns estados que já estão mudando, alterando… Como a gente ainda não tem, entendemos prudente aguardar essa segurança jurídica para começar.
MidiaNews – Mas ainda defende a existência da Guarda Municipal em Cuiabá?
Francyanne Siqueira – A guarda municipal com as atribuições anteriores a essa decisão do STF era o nosso desejo. Foi o que de fato programamos, planejamos para implementar na Capital.
Porém, com essa decisão agora, ficamos sem entender muitas coisas, muitas dúvidas. Em Várzea Grande temos a Guarda Municipal e nos auxiliava muito.
E aí com essas alterações ficamos com algumas dúvidas que ainda não foram discutidas. Entendemos que é um tema que ainda tem que ser amadurecido.
MidiaNews – E vocês estão conversando com outras instituições para tentar chegar a esse entendimento? Se ainda vai ser necessário ou não?
Francyanne Siqueira – Sim, ainda está sendo estudado para ter uma decisão por parte do governo municipal.
MidiaNews – A senhora foi a escolhida pelo prefeito Abilio para assumir a secretaria, o que a fez aceitar deixar a PM para atuar nesta Pasta?
O videomonitoramento é um dos pilares que a Segurança Municipal estará atuando de forma forte
Francyanne Siqueira – Na verdade eu estava em um encerramento de ciclo na Polícia Militar. Agora em março completei 30 anos, que é o tempo máximo que a gente pode permanecer na instituição, então eu já estava próximo do tempo limite.
Foi uma oportunidade de estar me mantendo na mesma área. Um tema que trabalho há 30 anos, agora posso dizer dessa forma, tenho um know-how, um pouquinho de experiência para estar desenvolvendo essa atividade.
Então, aceitei justamente por conta disso, por ser uma área que tenho um pouquinho de conhecimento.
MidiaNews – Para a senhora, qual o principal problema da Segurança Pública de Cuiabá atualmente?
Francyanne Siqueira – A gente tem alguns desafios. Posso falar com relação à Secretaria Municipal de Segurança Pública porque, inicialmente, antes da reforma administrativa, a gente era uma pasta conjunta da Ordem Pública.
Então, a gente desenvolvia ações integradas, com outras secretarias também, mas sobretudo com a Ordem Pública na fiscalização, atuando na poluição sonora. Mas a Segurança Pública é o todo, são várias situações, várias variáveis que influenciam na Segurança.
Estamos iniciando, fazendo esse diagnóstico, porque também temos muitas limitações. Estamos tentando desenvolver algumas atividades, mas a gente sabe que o recurso é pequeno.
Estamos com essa calamidade financeira estabelecida pela situação que o município está vivendo. Então a gente tem um desafio grande de desenvolver mais atividades de segurança com um recurso bem menor.
MidiaNews – A senhora foi nomeada recentemente após a criação da secretaria na reforma administrativa. Por onde vai começar os trabalhos?
Francyanne Siqueira – Temos alguns pilares para trabalhar estrategicamente, seguindo a linha do nosso prefeito. Temos alguns pilares para melhorar a nossa segurança na nossa Capital.
Um deles é o videomonitoramento, que a gente já iniciou. Conseguimos fazer retirada na Secretaria de Segurança de 60 câmeras para poder iniciar a instalação.
O videomonitoramento é um dos pilares que a Segurança Municipal estará atuando de forma forte, nessa parceria com a Secretaria de Estado de Segurança. Já iniciamos a instalação no Parque de Tia Nair e iremos para o Parque das Águas posteriormente. A pretensão é fazer esse videomonitoramento de grande parte da Capital.
A gente já traçou como prioridades o Centro, o Beco do Candeeiro, Morro da Luz, Centro Histórico. A gente acredita que vai auxiliar bastante.
MidiaNews – Comerciantes do Centro da cidade não sabem mais o que fazer para acabar com os roubos e furtos. Como vai ficar esse policiamento agora que ainda não tem a Guarda Municipal?
Francyanne Siqueira – Hoje, temos um termo de cooperação com a Secretaria de Segurança na cedência de policiais militares para atuar nas missões municipais. A primeira ação efetiva é a implementação das câmaras do programa “Vigia Mais MT”.
É a primeira ação para auxiliar. Obviamente a gente não consegue, nem a PM tem essa possibilidade, colocar um policial em cada esquina. Então, sabemos que as câmeras vão ser de fundamental importância para nos auxiliar.
Isso também consolidado com a presença do policial, mas daí de forma mais estratégica, no momento que seja mais oportuno.
A gente pretende fortalecer esse termo de cooperação com a quantidade de policiais.
Victor Ostetti/MidiaNews
A secretária, que já foi corregedora da Polícia Militar e chefe do Estado-Maior, disse que não sonha em ser comandante-geral da PM
MidiaNews – Já tem um número de equipe que vai ser colocada na rua para esses pontos específicos?
Francyanne Siqueira – Nesse primeiro momento a gente não tem, porque existe um impacto financeiro. Porque a gente paga como se fosse uma hora extra ao policial. Então, na hora de folga dele lá na instituição, ele vem trabalhar conosco.
Como a gente está com essa limitação financeira, estamos bem limitados. A gente está fazendo o máximo possível, mas precisamos aguardar para implementar um maior policiamento. Porém, com o implemento da câmera, a gente acredita que vai resolver e vai nos ajudar muito.
MidiaNews – A senhora foi corregedora da PM e chefe de Estado-Maior, que são dois dos cargos mais importantes da corporação. Sonha em ser comandante-geral?
Francyanne Siqueira – Quando fui promovida coronel, que é o último posto da instituição, eu comandava em Primavera do Leste. Era o Comando Regional de Primavera do Leste. Na verdade, para mim, ser comandante regional já era o ápice da carreira. Eu tinha ainda mais dois anos de trabalho, de efetivo serviço, e pretendia permanecer lá. E aí, veio esse convite para voltar para Cuiabá e assumir a Corregedoria, que realmente é uma função que poucos aceitam, mas que foi desafiador para mim.
Eu estava em uma situação em Primavera do Leste muito cômoda, muito boa, conhecia todo mundo, é um lugar muito fácil para se trabalhar, porque a gente tem apoio de muitos locais, principalmente da gestão municipal, que antes era o prefeito Leonardo Bortolini, que hoje está aqui também na AMM. Então estava numa situação muito favorável.
E aí com esse convite de vir para a Corregedoria, desperta na gente outros interesses, de estudar mais, porque ali a gente tem que tomar muitas decisões que não agradam pessoas.
E um convite do comandante não tem como falar não, né? Então, vim para a Corregedoria. E já foi um plus para mim, porque a Corregedoria é a quarta função mais importante da instituição. De fato, algumas poucas mulheres haviam ocupado essa função e a representatividade da mulher dentro da instituição é um ponto muito importante. Aceitei também por conta disso, para poder vir representar a mulher em uma função tão importante.
E após isso também recebi, por último, o convite de ser a chefe do Estado Maior, que também foi uma surpresa. O comandante que estava assumindo disse: ‘Eu vou precisar de você’.
Depois de 25 anos, no meu caso, eu já poderia me aposentar. Mas aí com o surgimento de novos convites, novas funções, então eu fui permanecendo.
MidiaNews – Acha que é possível uma mulher comandar a PM de Mato Grosso, em um ambiente tão amplamente dominado por homens?
Francyanne Siqueira – Com certeza. Não é por competência, é uma função onde a mulher tem que estar politicamente mais aberta. Vamos colocar dessa forma. E a instituição Polícia Militar é muito formal, as mulheres naturalmente ficam mais formais por conta da necessidade mesmo, da exigência de estar numa função como essa. Então não é difícil, não é uma questão de possibilidade. Temos vários outros estados que tem, São Paulo, Brasília, Roraima.
MidiaNews – Não acha que essa dominância masculina influencia?
Francyanne Siqueira – É porque, naturalmente, como a instituição possui uma quantidade muito maior de homens, a prevalência de homens é muito maior, então a possibilidade de uma mulher assumir é muito pequena, justamente pela quantidade, somos pouquíssimas, 10 % só.
A gente ingressa com 10%, mas ao longo da nossa carreira muitas não finalizam o tempo de serviço, justamente pela nossa natureza mesmo, mãe, esposa, condição física…
E a função de comandante-geral tem que ser exercida por um coronel, tem que ser do último posto. Em geral, as mulheres nem chegam ao último posto na ativa, chegam na reserva já. Então, não dá tempo, a gente não tem um tempo hábil para conseguir conquistar o comando geral.
MidiaNews – Mas é uma esperança?
Francyanne Siqueira – Com certeza e vai acontecer. Até porque agora a quantidade de anos que os homens e as mulheres têm na ativa são iguais. Antigamente não. Nós com 25 anos [de atuação] já poderíamos ir para a reserva, já poderíamos nos aposentar. Os meninos não, ficam até 30 anos. Então, ou seja, eles têm 5 anos ainda para galgar o posto, essa função de comandante-geral. A gente não, a gente já tem cinco anos a menos para poder conseguir. Então realmente fica mais difícil.
MidiaNews – Uma das grandes polêmicas na Segurança é o uso de câmeras corporais por parte de policiais militares. Qual sua opinião a esse respeito?
Francyanne Siqueira – A câmara entendo que é uma ferramenta importante, mas depende da atuação. Por exemplo, na lei seca mesmo, que a PM desenvolve, em conjunto com a secretaria, com outras instituições, já utiliza essas câmaras há muito tempo, justamente por conta da necessidade.
Mas, para estudarmos isso de uma forma ampla e colocar de uma forma ostensiva geral, 24 horas com o policial, tem muitas nuances, principalmente com relação ao investimento. Fizemos vários estudos e o valor para essa implementação é muito alto e hoje temos outras necessidades.
Então, não que eu seja contra, mas também não sou a favor, porque ainda não vejo a câmera como um auxiliar. Vejo várias outras formas da PM ter esse auxílio com uma tecnologia melhor.
A câmara entendo que é uma ferramenta importante, mas depende da atuação
Acredito que antes das câmeras seria importante outras formas de auxílio para a atuação do policial militar.
MidiaNews – Normalmente, quem é contra a implementação das câmeras nas fardas fala sobre uma tentativa de criminalizar o policial, o agente que está ali em combate. Acha que isso é válido?
Francyanne Siqueira – Não, porque o policial não está praticando nenhum crime. Ele está ali para atuar na segurança, dando o melhor de si.
Se houver um estudo… Porque tem muitas discussões, qual é o modelo de câmara? Onde a gente vai armazenar? Qual é a forma? Então, tem muitas coisas que impactam diretamente nesse uso que ainda não foram definidas.
Nós sabemos que o Ministério da Justiça está trabalhando nisso, tem uma equipe, um grupo de todas as polícias que estão fazendo esse estudo. Então, chegando a um denominador comum que realmente venha para auxiliar, eu sou plenamente favorável.
Não vejo esse lado de criminalização. O policial militar não está cometendo nenhum crime para poder que a câmera possa demonstrar o crime que ele está praticando. Não é por aí.
MidiaNews – Como policial conhecida por atuar dentro da ética e da legalidade, como a senhora se sente ao ver colegas de farda suspeitos de envolvimento em um crime tão grave quanto o assassinato do advogado Renato Nery?
Francyanne Siqueira – Não é que mancha [a instituição]. Claro que a gente não fica satisfeito com uma manchete dessas, mas acredito que tanto os policiais militares, como qualquer outra profissão, tem os bons e os maus, os bons e os ruins.
Então, se de fato foi comprovado a participação deles, após ofertado o contraditório e a ampla defesa, que realmente se verifique qual que é a decisão que vai ser tomada no caso.
Mas te garanto que em um universo de sete mil e duzentos homens, isso é um desvio que considero pequeno. Porque a grande maioria é composta de ótimos policiais, que trabalham dentro da legalidade, que fazem o correto, dão o máximo de si, se doam para a profissão.
A gente diz que ser policial é um sacerdócio, porque a gente acompanha tantas mazelas, a gente está próximo de tantas mazelas sociais e a gente sabe que a segurança não é feita só pela polícia. A segurança é feita por todos nós.
Se de fato esses policiais participaram de alguma ação criminosa, delituosa, que seja realmente feita a justiça com eles também, até para servir de exemplo pra outros.